domingo, 24 de fevereiro de 2008

AOS GUARDADORES DE SEGREDOS - Ritos de Espelho 09

klimt, bosque de bétulas, 1912



AOS GUARDADORES DE SEGREDOS
(Desiderandum)



Busco amores violentos
quando já estou cansada
de amar e violentar-me.
Em mim,
sombras repartidas.
É noite?
eu pergunto
E já não sei
Porque há muito já não sabia
...
Posso ausentar-me de mim
Ter frio, ter febre, ter fúria...
...
Essa vontade anêmica
De invadir jardins descalça
E tocar fogo no que for inflamável.


klimt, Veritas

Poema do livro Ritos de Espelho, 2002

sábado, 23 de fevereiro de 2008

ADÁGIO DE RESPOSTA - Ritos de Espelho 08

Camille Claudel - a valsa


ADÁGIO DE RESPOSTA
(para um ensaio poético sobre o Adágio de Tomaso Albinoni)




Pensei sobre os dias que se foram
e em toda poeira em meus cabelos
em toda finura das coisas cortantes
fio de navalha
por onde seguiam as horas
que me lançavam
ao abismo
dos seus braços abertos.
Os silêncios são ocos e graves
E os cheiros que refaço
Queimam como tóxico.


poema do livro Ritos de Espelho, 2002

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

UM POEMA INACABADO - Ritos de Espelho 07


Entre nós, vultos submersos
Se buscam em movimentos espectrais
Sombras que choram mortes prováveis
em apartamentos labirínticos
Demônios que sepultam nos corpos,
amores primitivos.
Então ruímos no tempo
A cada gozo, a cada estrondo de dor
a cada morte dos anos
Cantamos o lirismo dos loucos
Tombamos no riso dos ébrios
Compomos juntos os últimos cigarros
Traçamos a arquitetura do inabitável.


poema do livro Ritos de Espelho, 2002



Ismael Nery, Composição surrealista

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Sobre os comentários recebidos pela publicação de "A valsa dos meus vestidos"

Eu agradeço muito por seu texto, Thiago, sobre um suposto poder que teriam, os meus versos, de ressignificar as vidas de quem me lê. Um carinho que me deixa mesmo feliz e eu tento deixar que apenas a moça Fulana se emocione e explore suas próprias emoções neste blog, mas aí acho que estaria seguindo os planos de minha amiga bela Renata Belmonte, mas, é mesmo impossível, quando o material é feito das mais descabidas confissões, é mesmo impossível não criar uma espécie de máscara, uma personalidade qualquer que trabalhe uma emoção ou uma vida que é apenas minha, mas dela faça outra coisa (e aqui já entra a fala perspicaz do Ronaldo sobre os meus textos)... E isso já existe desde Ritos de Espelho. Há uma outra criatura, minha sombra talvez, que manipula os materiais que encontra dispersos nessa bagunça bem esquisita de ser alguém, de ser mulher, de ter 20 e tantos anos, de ser tantas expectativas, de ser cada coisa que amigos, desafetos e desconhecidos enxergam como uma figura real, e que não é menos real que ter nascido menina, numa manhã de quinta-feira, primeiro de março, no subúrbio do Rio de Janeiro, em pleno calor, gordura e vidinha "marromenos"... É minha vida, mas já é uma outra coisa que eu nem mesmo vivi, que já é completamente diferente e aí já é Fulana quem toca, quem experimenta, quem forja, quem manipula, quem joga ... e foi o Drummond quem me ofereceu esse meu Golem, essa Fulana, saída de uma ópera ou de um teatro barroco, que a tudo exagera e devora e rasga... Conversas sobre escritas, aparições, encontros e farsas que sempre tenho com Renata Belmonte e Vanessa Buffone, e concordamos que nunca sabemos o que foi verdade e o que foi só mais um embuste dessa coisa estranha de se existir num corpo único e numa única história que se diversifica em versões tão contrárias, como numa sala de espelhos ou numa casa de palavras...
E Fulana diz mistérios,
diz marxismos, rimmel, gás.
Fulana me bombardeia,
no entanto sequer me vê.
..
E sequer nos compreendemos.
..
Mas Fulana será gente?
Estará somente em ópera?
Será figura de livro?
Será bicho? Saberei?
..
Fulana às vezes existe demais;
até me apavora.
Vou sozinho pela rua,
eis que Fulana me roça.
..
Olho: não tem mais Fulana.
Povo se rindo de mim.
..
Fulana é toda dinâmica,
tem um motor na barriga.
..
Fulana, como é sadia!
Os enfermos somos nós.
..
(O Mito, Carlos Drummond de Andrade)





Eu só tenho a agradecer aos que lêem o que mostro por aqui.



Inaê Sodré no recital Fêmeas, Teatro Sesi, 2007
foto: Wagner (Pyter)


domingo, 10 de fevereiro de 2008

A MUTAÇÃO DA BORBOLETA - Ritos de Espelho 06



Armou-se um cerco em minha vida.
Quem enganará os guardiões das horas mortas?
No regaço, trago girassóis frescos
e nos lábios, feridas de amores tortos e favos.
É tarde para esperar batidas surdas na porta ou
uma pedra lançada com doçura à janela,
um bilhete tímido pela fresta.
Mas há quem espere, paciente,
um olhar (meu) de ostra que bate nos pés,
denúncia de fogo e flor miúda.
Dou a minha mão secreta
e o amor me dá asas de borboleta
                                         irrequieta.






poema do livro Ritos de Espelho, 2002
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