sábado, 31 de julho de 2010

O LEITOR - poema 09


Ray Caesar - French Kiss

O LEITOR 
(a noiva lê carta antiga)
H.W.


Sim, façamos alarde sobre o meu silêncio
Porque os anos dormidos se dobram sobre todo o meu tempo
Hoje ou ontem, apenas atropelos e supostas palavras
E eu digo a ti, ausentado e redescoberto: Ainda.

Agora, reinvento tua máscara antiga apenas para descobrir
E descubro. E és. Ainda que fosses o rosto indesejado
Desejo-te. Como vislumbro num sonho de hoje o estranho que 

                                                                    [continuas ser
Apenas meu. Existido para mim e a mim inventando:

Somos nossos delírios - eu em ti, repouso da loucura econtrada 

                                                                           [e talvez
(eu) não seja mais do que as palavras que forjaste das palavras 

                                                                          [que forjei.

(Assim) tu, apenas texto da confidência tua que manipulo
ao ler - incógnito e concreto e pesado como um anjo mau,
recoberto de durezas, contradições e
das coisas certeiras que me fazem tua
destinatária e alguma promessa que talvez habite os espelhos.


quinta-feira, 22 de julho de 2010

AGNUS DEI - Poema 08

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Ao meu pai
A José Inácio Vieira de Melo

Consola a dor do teu braço, poeta
do filho ausente;
As dez pragas renovadas de teu tempo
O cesto da pressa de salvaguardar o amor do mundo
a criança que dorme,
a garupa,
as histórias dos homens que se contam quando o que é 
                                                                [homem nasce.

Desde Abraão, a pedra do sacrifício
Onde homem e homem se olham,
o velho e o feito recebem-se
cruéis e puros
num amor da quase morte,
ensinamento e cesura de Deus ante a vida
daqueles que não geram.
Oferecimento e recusa sobre a pedra:
Imolar o filho é também, definitivamente, nascê-lo;
Circunciso e teu apenas.

Deslizas tua mão amorosa entre os cabelos da serena 
                                                                       [cabeça
E na outra mão,
de toda miséria e fraqueza do afeto oleoso e profundo que 
                                                      [só os criadores sabem,
deténs o fio da lâmina suspenso na força do instante
em que os homens se fazem na violência escura do amor 
                                                                      [de Deus.

(Agnus Dei, que tollis peccata mundi, miserere nobis)

Entre tu e teu outro – o primogênito
a pedra do íntimo reconhecimento
é também a do corte
Pedra e cutelo
Instrumentos de um nascer difícil e só
que faz um pai.

(Agnus Dei, que tollis peccata mundi, miserere nobis)

Segue o deserto do pai ausentado.
Ao largo do rio, o cesto
é repleto
cascalhos,
correntes,
bocarras largas de grandes bichos d’água
e peixes,
serpentes
e sarças
e anjos
A disciplina de tudo que deve ser
-- riso, tendões, músculos e fé –

Vindo o rei, saltará de pé sobre a terra
condutor e caminho
e rosto resplandecente:
Uma criança ainda, um infante
O justo nome.

(Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem)


Ismael Nery - figuras em azul
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