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terça-feira, 20 de março de 2012

Leituras, interpretações e crítica 02 (Viver é preciso?)


VIVER É PRECISO?

 Há no escritor uma necessidade de escrever, uma necessidade, digamos, ‘ontológica’ da escrita? Pessoalmente, e já há alguns anos, acredito nisso tanto quanto acredito que o homem, nascendo homem, sinta necessidade de sê-lo. Alguns escritores, principalmente os mais jovens, comprovam sua identidade por essa afirmação, demasiado romântica, da necessidade vigorosa da escrita, como um ditame essencial, porque atesta a sua essência de escritor, marca a sua diferença. Na verdade, sinto que o escritor tem muito mais necessidade do silêncio que da escrita. A teoria da necessidade se ergue justamente sobre a ideia de que é preciso dizer, e que dizer é um organizador imprescindível do ser do escritor, o escrever é aquilo que o salvaguarda das esquizofrenias idiossincráticas ou das esquizofrenias do mundo. O discurso como método de saúde, o discurso como autoterapêutica. A meu ver, a ideia se assemelha com o princípio aristotélico – que se sustenta sobre a teoria hipocrática – sobre a função da catarse, mas, novamente a meu ver, apenas se assemelha, não encontra nela sua origem consanguínea direta. A função catártica da literatura clássica – Sófocles, Eurípedes, Ésquilo – não nasce de uma suposta necessidade imanente ao discurso estético, mas na necessidade que é da polis, da organização política de um grupo que, para funcionar, precisa ser constantemente purificada ou clinicada – seja pela medicina, seja por textos sagrados, jurídicos, éticos ou trágicos; ou seja, destes, a catarse é objetivo, não o contrário. Não se pode afirmar que se haja uma necessidade de escrever para se salvar, não se pode afirmar que se condene Antígona para que Sófocles seja salvo, Antígona não é a salvação ou a sobrevivência de Sófocles. Antígona é a sua arte. E a arte é sua expressão típica. Quem é Sófocles no ou para o mundo? Um poeta trágico.

  E por que a escrita teria maior necessidade do silêncio? O discurso literário não é qualquer discurso, é o discurso estético, o texto fruto do labor, muito mais que do ímpeto da emoção que sempre emerge livremente e selvagem –  a literatura, a arte, não é pacífica. Logo, dizer que a escrita é uma necessidade de pacificar a loucura é justamente dizer que a criação artística é um terreno pacífico, um amansamento, e, isso, todos os que já experimentaram compor uns versos, mesmo que ruins, sabem que ela não é. Muitos artistas enlouqueceram no processo do seu trabalho, muitos artistas buscaram a morte no processo do seu trabalho – a feitura da arte não é, de modo algum, um gesto controlado, livre de ansiedades, mas o resultado é sim uma obra controlada, como um concerto sinfônico, ainda que, para o autor, ela volte a parecer selvagem, problemática (nunca haverá paz sobre ela). O processo de criação, ao contrário, é pura contração.

  Então por que escrever, ou ainda, por que ser escritor? Não se é escritor (pelo menos não da forma como respondem alguns aos jornalistas, porque é preciso viver), se é Sófocles, Flaubert, Machado de Assis, Henry James, Shakespeare, Rimbaud, Keats, Borges, Cecília Meireles, Quintana, Nelson Rodrigues, Noll... Se quiserem falar de uma necessidade ‘ontológica’ da escrita para o escritor, essas são as razões que devem ser dadas – porque Sófocles é exatamente Sófocles, sem pacificações, sem saídas.

F. Miranda

 Ray Caesar - Back Birth (2008)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O PRESÉPIO - poema 12

Ismael Nery

O PRESÉPIO
(os presentes – a estrebaria – a estrela movente)

I
O morto na paisagem está diante do sol.
Ainda há pouco, seus recentes, honestos amigos vieram de 
                                                                              [visita
Trazendo os últimos acontecimentos esportivos
E as saudações sinuosas das namoradas que tivera e que 
                                                   [ainda eram quase presentes.
E foram tão pouco, mas estavam sempre sorrindo e joviais entre 
                                                                     [os cabelos.
Recebera também a irmã e, com ela, a infância e alguns 
                                                                  [pasteizinhos
Do céu da mãe enferma cobrando visitas.
Adolescentes que passavam trouxeram excitações dos últimos 
                                                                       [filmes
E revistas de cenas indecentes, e era plena tarde.

Plena a tarde do morto diante do sol na paisagem.
Lembrara-se da eterna diva, do desejo de antes, e de como era 
                                                        [o corpo na cama.
Mas o corpo exatamente, alimentado, limpo, escanhoado, e que 
                                                                  [é vestido
De linho e caxemira para a comunhão.
E um que era pequeno, esguio e branco numa caixa de música, 
                                                            [varanda e claraboia
Que, em torno do eixo, era viva no abrir da porta.
Então quase dormiu por imitar como se encolhem as pernas, no 
                                                                       [sono.

II
Na paisagem, o morto era apenas ideia fustigada. E eterno o 
                                                              [fenômeno do sol.
Animais de pastagem passaram moles, cheios de massa.
Animais de carga passaram velhos de sacrifícios - e dignos por 
                                                   [conhecerem a chuva -, e o sol,
na paisagem acontecendo, derretia o espaço de terra e calor 
                                                              [suspenso
em que as rodas rolam gelatinosas desfazendo-se
sobre o caminho por onde todos passaram pretejando o mato,
vergando o talo daquilo que, sendo verde, precisa suster.

Nenhuma noite mais alivia a paisagem e o morto de ideias.
E o sol dá continuidade ao que, aos poucos, na paisagem se 
                                                                          [extingue.
O morto na paisagem cataloga todas as coisas últimas que o sol 
                                                                          [abate.
O leão teve toda uma página, apenas um e último leão. Entre 
                                                  [dez repetições da palavra juba.
Entre vinte repetições da palavra urro. Uma ocorrência da 
                                                                      [palavra carne.
O cão, especialíssimo, teve verbete ilustrado e, aos pés do 
                                             [morto, adormeceu na paisagem.

III
O morto na paisagem está rijo em meio-fraque, circundado de 
                                  [crescente e perfumosa mirra, aguardando
O rastilho em guipure e pérola do longo véu da última chegada.
Essa que passou e já vai longe – então liberta do cruel
Eixo imóvel de dez mil livros em brochura empilhados
(de vozes insistentes nas lombadas, tal rostos
de família suspensos num corredor que nos leva à 
                                                      [espiral da escada,
a suscitar a memória que se guarda sem ser nossa, e, 
                                                       [junto, toda a casa
pendente sobre a cabeça em fadiga e íntimo romance 
                                                                  [biográfico)
Pela pequena caixa de quarto e sala em que reinava, esguia e 
                                                                                   [branca,
A mulher dos sonhos, envolta em arminho, varanda e claraboia;
Desde sempre esgueirando o vazio deixado aos seus cuidados, 
                                                                         [silenciosa como
Algum vago, baço pensamento a mais de alguém que existe,  
                                               [sob o sol na paisagem, fustigado.
Essa lembrança que, inferno e mármore, resiste a toda história –
E segue de ossos fracos, ao cruzar a porta.



Ray Caesar - Arabesque 2009

sábado, 31 de julho de 2010

O LEITOR - poema 09


Ray Caesar - French Kiss

O LEITOR 
(a noiva lê carta antiga)
H.W.


Sim, façamos alarde sobre o meu silêncio
Porque os anos dormidos se dobram sobre todo o meu tempo
Hoje ou ontem, apenas atropelos e supostas palavras
E eu digo a ti, ausentado e redescoberto: Ainda.

Agora, reinvento tua máscara antiga apenas para descobrir
E descubro. E és. Ainda que fosses o rosto indesejado
Desejo-te. Como vislumbro num sonho de hoje o estranho que 

                                                                    [continuas ser
Apenas meu. Existido para mim e a mim inventando:

Somos nossos delírios - eu em ti, repouso da loucura econtrada 

                                                                           [e talvez
(eu) não seja mais do que as palavras que forjaste das palavras 

                                                                          [que forjei.

(Assim) tu, apenas texto da confidência tua que manipulo
ao ler - incógnito e concreto e pesado como um anjo mau,
recoberto de durezas, contradições e
das coisas certeiras que me fazem tua
destinatária e alguma promessa que talvez habite os espelhos.


sábado, 19 de abril de 2008

POEMA CONVULSIVO - Ritos de Espelho 10


Essa noite é de romances bizarros
Guardo uma navalha no bolso
para o caso de um flagelo


Por trás do meu rosto um medo
e por trás do medo um rosto.

Hoje estou excepcionalmente bela
com olhos de rímel e lágrimas
e cabeleira desgrenhada

E agora, de tão tarde, conto apenas comigo
para falar de mim mesma.




Ray Caesar, New Blue

Poema do livro Ritos de Espelho, 2002

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Mas Fulana será gente? Estará somente em ópera?

Ray Caesar - FOD



A poesia de Fabrícia Miranda vem revelar uma poética feminina eivada de sangue e suor.
Em Fabricia Miranda, há um estado acima da loucura e da razão, algo que só quem está antenada com anjos que tocam trombetas e sopram nos ouvidos versos líricos pode dar o ar da graça (...)

Seus olhos são como esmeraldas e de tão linda, já é um poema que Deus nos legou. Adoro a poética e a pessoa de Fabricia Miranda e como amo! 


Miguel Carneiro 

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(...) E há ainda o caso da Fabrícia Miranda, também vencedora do Braskem, de 2002. Quem quiser ler boa poesia que vá ao blog da moça. 

A poesia de Fabrícia Miranda é "curta e grossa", mesmo quando lírica. Há sempre destroços no asfalto, mas uma esperança de que chegue logo o resgate - que é sempre ela mesma, a poeta. Tudo o que ela escreve acerta nossa veia. Mas não se trata de poesia meramente "violenta". A poesia de Fabrícia é muito bem escrita, revela forte conhecimento do idioma e seus melhores recursos, além de evidente maturidade para com seus sentimentos e a forma menos óbvia de manifestá-los. Tenho estado muito cansado com o que chamo de "poemas sensíveis demais", feito por mulheres que falam de uma borboleta, da brisa, do ocaso, dos passos da bailarina etc... São sempre poemas anódinos, pálidos, anêmicos, aquele tipo de escrita que espera do cotidiano de bandeira toda a sua possível epifania... Ledo e ivo engano. A andorinha, o porquinho-da-índia e as pernas de Teresa jamais me disseram nada, e quando "atualizados" por essas mulheres, dizem o oposto do nada: um tudo niilista...

Henrique Wagner

Comentário postado no blog do Herculano Neto

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Inegavelmente, um bonito poema, fazendo lembrar no andamento lírico, mas não na construção, nem a tônica sensual, o famoso "Leda e o Cisne" ("Leda and the swan"), do irlandês J. B. Yeates, do qual há uma bela tradução para o português de José Paulo Paes.

Florisvaldo Mattos, comentário sobre o poema "O cisne"

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Meus votos de que ela continue a descobrir os mistérios da poesia! 


Conceição Paranhos


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Cada palavra tem seu valor, sua força, seu uso devido... só quem sabe fazer poesia pode se dar a tal luxo... e Fabrícia pode...

Silvério Duque


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A programação da Bienal (Bahia-2009) está muito mais variada e atraente do que na edição anterior. A seleção dos poetas e cordelistas que participam de recitais (em três sessões diárias, às 18h, 19h10 e 20h20), organizada por José Inácio Vieira de Melo, tem sido um painel significativo da produção poética baiana atual, com representantes dos mais diversos estilos, dicções, tradições, linguagens (e níveis de qualidade também). Do que até agora assisti, o que mais apreciei foi a segurança com que Fabrícia Miranda apresentou seu trabalho, atendo-se à palavra e ao texto e evitando o que poderia facilmente descambar para arroubos emotivos.

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Poesia com forte ânsia, loucura, beleza, segredos do universo feminino, maravilhosa..

Luciano Fraga 

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Uma vez Pablo Sales me deu um livro de poemas da Fabrícia Miranda, e li de uma vez só. Maravilhosa poeta. 

Nelson Magalhães

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... Eis Fabricia Miranda, menina com um amarelo esverdeado onde Oxum se percebe pelas palavras e pelo cheiro. Estes, símbolos da menina e da poeta. Delicada, sensível, capaz riscar as mãos com sua própria espada, só para seguir em defesa de seu destino. E como o destino de uma poeta é um encanto, Ora ye ye; que a loucura sempre ritualize nossa criação, porque a nossa loucura é viva.

João de Moraes Filho 

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Fabrícia, minha prinspa-poeta, que os loucos continuem a lavar teus versos com suas lágrimas e a lamber tua pele para que ela continue assim: a mais fina porcelana da China. Ontem, eu estava na Caatinga, literalmente atravessando a Caatinga, debaixo de chuva, e a minha pele sendo lambida pela língua áspera das urtigas, recebendo o anestésico dos espinhos de quiabento, na companhia de Fafafa, o Priquito e de Garanço, o sabiá  Mas o meu pensamento era uma cimitarra a deslizar pela geografia da poeta dos espelhos e seus ritos. O meu pensamento, os meus sentidos e o meu sentimento eram - e agora são - para ti - imbuídos do mais forte desejo de Luz, de Poesia, de Paz. É isso, eu desejo esse monte de coisas, dessa forma desordenada,atabalhoada e sincera.

José Inácio Vieira de Melo 
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